sexta-feira, julho 01, 2005

Ainda o tempo que passa

Aquilo que tenho aqui escrito, sobre a necessidade de se efectuar uma alteração geracional no exercício do poder em Portugal tem sido frequentemente mal interpretado e levado por caminhos que não são, de forma alguma, aqueles a que me refiro. Esses caminhos, que são os da critica a uma certa forma viciada de exercer o poder, tem a sua importância, mas uma importância, num certo sentido, negativa.

Os caminhos que tenho tentado apontar são, penso eu, mais positivos. Tem a ver com o esgotamento de toda uma geração que exerce o poder há demasiado tempo e que começa a dar demasiados sinais do desgaste que estas coisas provocam.

A questão é relativamente simples. Em Portugal houve um momento de ruptura, no 25 de Abril, e uma transferência do poder para outras pessoas, outros grupos, outras escolas. Essas pessoas, independentemente da sua orientação, mais coisa menos coisa, estão no poder há trinta anos. Se não é fulano é o primo ou o sicrano.

Acontece que, pelo menos na minha forma de ver, deve haver uma correspondência mínima entre representados e representantes, até nos escalões etários. Portugal está a ser governado, governo após governo, para os sonhos de há trinta anos, para os problemas de há trinta anos, com conceitos de há trinta anos.

E o pior, é que quando aparecem alternativas, sejam elas formalizadas ou não através de candidaturas, correspondem igualmente a ideias de há trinta anos, ou mais. Como se de lá para cá nada ou muito pouco existisse.

Veja-se o programa Prós & Contras na RTP. Quem é que convidam para lá estar? Gente que já está instalada no regime há trinta anos. Vejam-se os principais comentadores e colunistas dos órgãos de comunicação social. Quem lá está? Gente de há trinta anos. A economia tem problemas, a quem é que se pedem soluções? Ao Medina Carreira, que invariavelmente diz que ele, o Silva Lopes e a Teodora Cardoso é que são bons e que sabem. Mas como já ninguém inteligente acredita, quem é que vão buscar? Os alunos deles, igualmente à trinta anos instalados no sistema. Olhe-se para a Universidade e quem é que lá está? Nem é preciso responder. Eu só os ouço dizer que estão preocupados com isto, e com aquilo, e que se lembraram de mais não sei o que, que por acaso já anda toda a gente a falar há mais de dez anos. Eu até já ouvi um Presidente da Assembleia da Republica dizer, depois de trinta anos de politica activa, que tinha recentemente tomado consciência do problema da droga. Isto um numero dois da hierarquia do Estado. Queres o quê, Portugal, sair de onde…? ACORDA, Portugal!

Não se pense porém que aquilo a que me refiro é uma vaga impressão, por ver sempre as mesmas caras e os mesmos discursos de há trinta anos a esta parte. Vamos ver exemplos concretos de minudências da governação, mas que todas somadas já contam e todas contrariadas dariam um admirável mundo novo.

Eu continuo a ver, apesar das restrições orçamentais, que os nossos governantes, sempre que podem, lá fazem mais um polidesportivo e uma nova pista de tartan. E agora, em época de autárquicas lá andam todos ufanos a inaugurar essas coisadas. Depois ficam muito admirados que não tem lá ninguém e aquilo está vazio e ainda é preciso pagar ao guarda. Que azar, não se deram conta que a maioria da população já não pratica esses desportos nem quer saber deles para nada. Estão noutra…

Eu continuo a ver, apesar das restrições orçamentais, que os nossos governantes contratam, todos os dias para a função pública, técnicos superiores de informática, de formação genérica. Para que e por que? Porque eles não sabem abrir o Windows e muito menos o Excel, quanto mais a rede. Nem sequer entendem que desvirtuaram todo um processo coerente de aquisição publica, no qual deveria ser o fornecedor o responsável pela formação do utilizador, e não gerar mais encargos para o Estado. Não, criaram toda uma classe profissional que somos nós que vamos pagar e que vai ser absolutamente desnecessária para a geração seguinte. A não ser que seja reformatada através de formação, à qual, depois de confortavelmente instalada, vai ser muito resistente. De qualquer forma também vamos pagar. E depois dizem que não há verba para a Saúde ou para a Educação.

Eu continuo a ver o quase abandono da Serra da Estrela (eles acham que aquilo é só queijo e a lagoa comprida) e a nossa juventude a “construir”, com os seus gastos, as estações de Inverno por toda a Espanha, desde S. Isidro a Sierra Nevada.

Eu continuo a ver ser aplicado o paradigma de cinquenta, de um carro por família, em todo o planeamento das instituições do Estado. E mais, em todo o espaço publico. O paradigma mudou no final dos anos oitenta e hoje o carro é muito mais do que um meio de transporte, é mais uma extensão do corpo. Mas?!?!

Eu continuo a ver uns a atacar os direitos do trabalhador e outros a defende-los, fazendo códigos e leis para estruturas macro e criando excepções às regras para as micro empresas. As micro são a NOSSA regra.

Eu continuo a ver, na educação e até na saúde, a transposição permanente de modelos nórdicos para os nossos sistemas, mais francófonos ou mais anglo-saxónicos, conforme a orientação e os sítios para onde eles foram estudar ou exilados ou coisa que os valha. Esqueçam isso, NÓS SOMOS LATINOS.

E poderia continuar por aqui fora o dia todo que exemplos não faltam, esbarramos com eles todos os dias. Mesmo na arquitectura e na construção, que tem alterado a face deste país, a lei vigente, a que importa, foi feita e serve para resolver problemas de há trinta e tal anos e ninguém a muda porque belisca umas poucas de pessoas que estão igualmente instaladas há trinta anos.

Não me engano muito se disser que a média de idades da Assembleia Constituinte era de vinte anos menos do que é hoje da nossa Assembleia da Republica.

E a questão aqui não tem a ver, com a valia deste ou daquele grupo ou geração, tem simplesmente a ver com o tempo que passa e os desequilíbrios que gera.

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