quinta-feira, março 24, 2005

Calados, a "obra" vai começar!

De Teresa Andresen, Arquitecta Paisagista

(não conseguimos encontrar o texto na net , por isso transcrevemos na integra um artigo que foi escrito no caderno local do público anteontem. Como tem passado de boca em boca entre muita gente, julgamos muito pertinente e esperamos que nos perdoem os erros do "OCR")

«14 de Marco, a televisão apresentou uma notícia sabre uma sessão na Câmara do Porto relativa à apresentação do projecto da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade da autoria dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura, que foram entrevistados. As palavras de Eduardo Souto Moura produziram em mim um efeito duplo de mágoa e de indignação. não gravei esses minutos de televisão e, por isso, não sou capaz de reproduzir o que ali foi dito textualmente. Mas transmitiu a ideia que esperava que agora as pessoas não começassem a contestar a obra como sempre acontecia quando no Porto se tocava numa pedra. E até acrescentou que estaria surpreendido pelo facto da obra da Rotunda da Boavista, que teria ficado tão bem, não tivesse recebido aplausos. O Público de 15 de Março da conta da posição do presidente da câmara: "Do que ninguém parece duvidar à da contestação que estas alterações irão desencadear na cidade. "No Porto, é impossível começar o que quer que seja sem haver contestação", antecipou Rui Rio, sublinhando que o desenho final decorre de condicionamentos vários mais do que de meros caprichos e insistindo na ideia de que "a intervenção terá a mão de um dos dez melhores arquitectos do mundo, ou seja, Siza Vieira-" Calada tenho estado e sei que muitos outros [também o estão]. Mas não posso calar mais. A mágoa é grande, assim como a estupefacção pelo continuado desconhecimento ou menosprezo do "ser" das coisas públicas e isto impele-me a não ficar calada. Estamos a falar de espaço público. Espaço publico é do público, da colectividade, dos munícipes que pagam os seus impostos e que mais frequentemente o utilizam e dele legitimamente se apropriam e o abrem aos visitantes diários ou de passagem. Eles adquiriram naturalmente um direito e um sentimento de posse sobre este espaço, assim como contribuem para a construção do imaginário que se vai tecendo sobre essa apropriação colectiva e que lhes confere o direito de ter uma palavra a dizer sobre os seus desígnios. Ou seja, estamos a falar de cidadania, de cidadãos que não ficam calados e que não gostam de ser admoestados a não falar. A evolução do espaço público não pode prescindir de intervenções validadas por concurso público, com apresentação de ideias alternativas, acompanhada de pareceres institucionais das tutelas e sobretudo participadas pelo público que precisa de atempadamente, ser informado de forma inteligível e tranquila. A participação é um valor democrático. Aliás, ao longo de anos tem sido reclamada pela população neste seu local por excelência de afirmação e exercício de princípios democráticos. A Praça e a Avenida (Ironia! chamadas da liberdade e dos aliados!... Humberto Delgado!!! E reparem a simbologia: as estátuas de D. Pedro IV e Garrett nos extremos!) são, como Nuno Corvacho, no Público, dizia: "...o terreiro dos Aliados, chamemos-lhe assim, é o espaço por excelência onde a cidade manifesta a sua alma colectiva, no que quer que isto signifique". A solução apresentada pelos arquitectos e uma solução possível. Não conheço o programa encomendado a que estiveram sujeitos, enunciando os objectivos pretendidos Apenas conheço os elementos que a imprensa reproduziu. Aparenta ser uma solução que privilegia o espaço avenida em vez do espaço praça. Que privilegia a simplificação da intervenção "verde" recorrendo prioritariamente a alamedas (já agora, por favor avaliem a opção das árvores, pois, segundo o jornal, aponta-se para "árvores da mesma família das que lá existem" e isso deixa-me perplexa, pois nenhuma das lá existentes tem revelado adaptar-se bem às condições estéticas e ambientais do lugar - devia-se trocar ideias e soluções sobre isto!). Que a privilegias as pessoas nos passeios laterais a alargar, em detrimento da faixa central! Que provavelmente, antecipa um programa de reabilitação funcional dos edifícios envolventes de mais forte relação com os passeios e que ainda desconhecemos. Que opta pela neutralização da cor. Que não atende ao carácter neoclássico/beauxartiano/ecléctico dos edifícios circundantes, assim como do espaço avenida e do espaço praça que ali coabitam construídos ao longo do tempo e nunca de uma vez só. Que opta par uma solução moderno-tardia de simplificação do tratamento do espaço exterior num local onde a remodelação das fachadas dos edifícios ao encontro da nova solução agora proposta é impensável (julgo eu!). O Porto 2001 trouxe investimentos assinaláveis a cidade no respeitante ao espaço público. É urgente fazer uma avaliação rigorosa e participada desta experiência. Eu diria que houve muita intervenção cujo resultado, em termos gerais, é asseado e asséptico ou higienizado ou esterilizado, ou como lhe queiram chamar, conduzindo a espaços com maior transparência e aparente largueza, por vezes pulverizados de mobiliário, mas ambiental, patrimonial e vivencialmente muito mais pobres.
A qualidade dos materiais - vivos e inertes- introduzidos tem deixado muito a desejar e as soluções projectuais, na maioria dos casos, não revelam qualquer preocupação ou sensibilidade com a sustentabilidade dos programas de conservação e manutenção do espaço público, havendo já sinais de manifesta degradação. A marginal ribeirinha será uma excepção, embora continue a achar que obrigou a ceder muito espaço público de usa pouco flexível par causa da manutenção do eléctrico. Mas veja-se a Cordoaria, Poveiros, Montevideu, Batalha, Leões, Infante, etc. A Avenida e a Praça estão agora em marcha. A opção é criar o vazio, como noticia o Público, citando Souto Moura. "O vazio que pode ficar ocupado". E o que estará para vir? A Arca de Água resistirá ao vazio? E são Lázaro? E o Passeio Alegre? Também seremos admoestados a calar?! No domínio de novos espaços públicos, ditos verdes, se exceptuarmos o Parque da Cidade, Sobreiras, Pasteleira (recuso-me a incluir a alameda de Cartes, a negação do desenho urbano e da compreensão da vivência do espaço público!) pouco mais se terá feito nos tempos recentes. Privilegiou-se "redesenhar" espaços estabilizados na malha urbana com carga patrimonial -cultural/natural -apropriados pelo imaginário colectivo, ignorando que a defesa do património diz respeito a todos. Será de ficarmos calados? Mesmo quando, como no caso da Praça e da Avenida, a Câmara do Porto usa a autoridade de dois consagrados nomes da arquitectura para manter-nos calados? Ora isto não pode estar bem! Eis a minha mágoa e a minha indignação!»

2 comentários:

Anónimo disse...

Aplaudo de pé!

Anónimo disse...

e já agora convem referir que os atentados á decência e á inteligência começaram com a EXPO98, continua(ra)m no PORTO2001 e com o EURO2004, e sabe-se lá quando vão acabar...
por falta de concursos publicos e com a conivência dos arquitectos 'famosos', que assim vão validando maningâncias politicas e consequentes intervenções desastrosas, para o espaço e para o erário publicos